sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

História de nós três

Fomos dormir aquela noite com a certeza de seria a última sozinhos, somente eu e ele, sem mais ninguém. Mas, definitivamente, era última noite assim.

Na manhã seguinte estava um calor de lascar no Rio de Janeiro. Não fui trabalhar, já estava de licença. Fomos nós dois (ou melhor, nós três) à praia em Ipanema. Alugamos barraca, cadeira, tomamos água, banho de mar. Encontramos um amigo que perguntou:

- E aí, casal, é pra quando?

- É pra hoje!

O sol muito forte, um calor, um verão daqueles clássicos de 40º. O almoço teve que ser cedo, a partir das 13 h já não podia nem comer, nem beber mais nada. Hoje já não consigo mais lembrar o cardápio, mas acho que tinha carne... Rosana animada, nos deu mais um presentinho.

Pegamos um ônibus, ou foi táxi? Já não lembro... Mas que estava quente eu lembro.

Enfim chegamos em casa. Tomamos um banho gostoso, coloquei hidratante, me olhei no espelho com aquela silhueta, que só quem a tem sabe a loucura que é assumir orgulhosamente o panção. Espelho, espelho meu, me diz se há alguém mais feliz do eu?

Tentamos descansar.

As coisas já estavam arrumadas, ou quase. Tivemos que resolver os últimos detalhes. Acho que tinha que chegar no hospital às 16h. Papai atrasou e o quase novo papai quase enlouquece preocupado com atrasos.

O carro estava quente, pois não tinha ar-condicionado, e lotado de tralhas. Mala pra mi, pra Gaia e pro Gui, colchonete vagabundo que mamãe comprou pro Gui dormir (e ele não dormiu, preferiu o sofá) e muitas outras coisas que já não consigo detalhar.

O tempo passa rápido e a gente esquece os detalhes... Mas o dia estava lindo, lindo, sem uma nuvem no céu. Era quinta-feira, dia de Mushkil Gusha.

Na recepção fomos bem atendidos, mas tivemos um contratempo: mina cirurgia estava marcada para acontecer na Barra. Na mesma hora me sentei e esperei resolverem, afinal na Barra é que ela não ia nascer, mesmo. O avô falava:

- Na Barra? Minha neta não vai nascer na Barra!

Depois do malentendido, fiz o check in, assinei uma série de papeladas, autorizei imagens, coloquei pulseiras, foi quase uma horta de lenga-lenga, isso sem poder beber nem água (e olha que o calor era quase infernal na cidade).

Finalmente entrei no quarto, fui entrevistada por uma ou duas enfermeiras, e as visitas foram chegando no quarto. E eu com aquele avental de hospital horrível. Era um entra e sai cansativo de enfermeiros e convidados. O quarto lotado. A mina médica quando chegou até se assustou.

- Isso é para recepcionar o bebê? Caramba!

Ela falou daqui, falou de lá, deu orientações para a futura nova mamãe, para a futura nova vovó e para o futuro papai. Só faltava o anestesista que não chegava. Nesse meio tempo o frio na barriga aumentava, a ansiedade era transbordante, a sensação de tudo ia mudar muito em breve era agoniante, e uma grande preocupação: o anestesista estava muito atrasado, já era noite, mas ela tinha que nascer naquele dia, afinal as lembrancinhas da maternidade já estavam com a data de 27 de janeiro. Ela tinha que nascer no dia 27!

Depois de muito tempo de atraso, já não me lembro bem quanto tempo (escrever com um ano de atraso dá nisso!), vem um enfermeiro com maca e fala que a equipe médica estava me esperando na sala de cirurgia. Deitei na maca – eu era obrigada a ser transportada, mesmo estando em ótimas condições, deitada na maca. E o maqueiro bateu varias vezes a maca nas paredes e portas do hospital. E eu lá impotente…

- Ai meu Deus! É agora! Gui, estou com vontade de chorar. Estou muito nervosa.

- Chora, meu bem, pode chorar.

Escorreu uma lágrima, mas engoli o choro, pois muita coisa ainda ia acontecer naquele dia. Gui me acompanhou durante todo o percurso que era possivel. Em determinado momento nos separara. Ele só me viria agora na sala de cirurgia, já anestesiada.

Me levaram para uma espécie de hall onde era um vai e vem de enfermeiros e médicos danado, conversas paralelas, envelopes com papéis sendo entregues, arquivadoss, verificados. Despois de ficar um tempinho esquecida nesse hall, assinei umas coisas e fui encaminhada à sala.

Que medo entrar numa sala de cirurgia, que medo! Que medo adentrar a sala com aquele pessoal de branco e máscaras na cara… Que medo saber que em breve estaría completamente entregue nas mãos deles…

Enfim estava na mesa.

- A anestesia vai doer? – Perguntei para a médica.

- Vai sim!

- Poxa, eu não quería ouvir isso!

- Você quería que eu mentisse?

Pronto, uma picadinha chata nas costas e já não sentía mais nada! A não ser a agonía que sentí ao saberem que estavam colocando o catéter. Dei varios gritos como se efetivamente estivesse sentindo alguma coisa:

- Ai, ai! Tô sentindo alguma coisa que eu não sei se tô sentindo!

E todos riram.

De repente escuto um som ao fundo. Era música evangélica. Quase tive um treco! Não quería minha filha nascendo ao som de “Aleluia, irmãos”. Dei um ataque perguntando onde estava o CD do Bob Marley que eu pedi para colocar. Me disseram que ele era pirata e que o aparelho de som não rodava com piratas. Alguém orientou a colocar na Paradiso. E assim foi.

Gui entrou na sala. A nossa cumplicidade estava nos olhos.

Em muito pouco tempo disseram que el ajá ia nascer. Insistiram para o Gui olhar ela nascendo.

- A gente combinou que eu veria daqui mesmo…

- Mas você vai perder a hora H.

- Mas agente combinou assim!

Era ele nervoso, com medo de ver sangue ou de ver a barriga aberta. Ele não é disso, nem eu. Mas realmente era assim que a gente tinha combinado, ele ficaria ao meu lado o tempo todo.

Um vuco vuco em cima de mim, empurra para lá, empurra para cá! O anestesista ficou em pé na maca empurando para baixo a barriga. Muita pressão. Nenhuma dor.

- Cuidado que ela está escorregando!

- Segura a menina doutora!

Às 21h45: buuuááááá! Que som lindo de ouvir pela primeira vez (mas só pela primeira, porque depois vira desespero!). Ela ganhou notas 9 e 10 do pediatra!

Assim, Gaia veio para os meus braços, com uma carinha linda, tranquila, e logo a levaram :o(

- Fica com ela, Gui, não desgruda dela!

Aí veio vazio... Um vazio enorme… Eu sozinha na cama de cirurgia, os médicos e asistentes falando amenidades, eu lembrando da carinha linda da mina filha, fechando os olhos e sonhando em chegar no quarto e ver mina familia. Levantavam mina perna, me viravam de lado, e eu nada sentía no corpo. Sentia sim uma plenitude e um vazio tremendos no coração. Muito doido isso!

Cheguei no quarto. Uma amiga saindo dava tchau, equando Gui veio em mina direção. Quando me colocaram de volta na cama do quarto eu e Gui choramos feito crianças. Muita emoção, muitos sentimentos e nenhuma palavra – até porque tinha que ficar de bico calado.

E ela adentrou o quarto. Linda com a roupa do Flamengo e a cara do pai. Chega dava agonía. Como pode, meu Deus, um serzinho como ese saído da mina barriga que é cara do pai. Esse foi outro momento impactante. Ela era uma mini-Gui.

Tentamos amamentar, acalentar, abraçar, beijar. Era tudo novo… Muitos sentimentos transbordando, muitas coisas pasando pela cabeça, muito amor.

Era ela, minha coisinha linda, nossa coisinha linda, Gaia, que veio para nos unir em um só corpo, em um só espírito.

Seja bem-vinda, filha! Seja bem-vinda ao seu planeta, à sua terra, à sua familia.

Nós vamos nos divertir muito, eu prometo!